Mestre Bimba dizia que a ginga é base do jogo.
Pesquisar a capoeira é simplesmente gingar pelo processo da experimentação. É
problematizar o jogo no sentido de encontrar uma solução plausível. É
hipotetizar o jogo visando responder, antecipadamente, a questões do objeto
investigado, o que vale, quer pela confirmação de características, quer pelo
encontro de novos caminhos e evidências.
Hélio Campos – Mestre Xaréu
As palavras aqui expostas
trazem algumas informações e reflexões a cerca da capoeira no Cariri Cearense.
O que motiva a escrever sobre o tema parte de minha necessidade enquanto sujeito
da capoeira em estudar o assunto e com isso aprender um pouco mais dessa arte
infinita.
Meu primeiro contato
com o Cariri Cearense se dá em março de 1997 quando eu, Mestre Samuray e outros
membros do grupo fomos participar de um evento da Cia. Terreiro do Brasil (hoje
Terreiro Capoeira) na cidade de Juazeiro do Norte – Ce. Na ocasião Professor
Naldo era o representante da Terreiro Capoeira no Cariri. Lembro-me que seu
estilo de jogo era bastante diferente do nosso e que era bastante parecido com
o estilo de jogo do professor Bezerra da cidade de Paracurú-CE - também membro
da Terreiro Capoeira. Esse estilo de jogo me inquietava uma vez que era muito
diferente do nosso estilo, aprendido em Fortaleza – CE. Professor Naldo e professor Bezerra quando
faziam um jogo parecia que ambos vinham da mesma academia, que beberam na mesma
fonte, pois as gingas, as negativas, os modos de atacar, contra atacar e se defender
eram muito próximos, porém destoavam do nosso estilo. Conhecendo um pouco mais
sobre os dois descobri que ambos aprenderam capoeira em outro estado. São
Paulo.
O que aprendi
inicialmente quanto à capoeira do Ceará era que a primeira pessoa a ministrar
aulas da nossa arte aqui no estado foi o Mestre Zé Renato no ano de 1970 ( segundo o mesmo) no Centro
Social Urbano Presidente Médici, situado no bairro rodoviária na cidade de
Fortaleza – CE. No ano de 1979 chegou à capital cearense o Mestre Squisito iniciando um trabalho no Diretório Central dos Estudantes - DCE-UFC no centro de Fortaleza -CE. Chegando a realizar no Círculo de Operários e Trabalhadores Católicos São José o “Teatro São José” um evento de capoeira que fora transmitido ao vivo para a nossa capital.! No geral
quando falamos da história da capoeira no Ceará o que logo aparece são estas
duas informações que de muito contribuem para o entendimento de nossa arte em
nosso estado. Estes dois mestres
formaram vários discípulos que hoje estão no mundo afora engrandecendo a
capoeira e em especial o Ceará.
Meu conhecimento
naquela época sobre capoeira não passava de um conhecimento adquirido através
da oralidade sem um maior aprofundamento teórico. Não quero com isso dizer que
o meio oral seja inferior. Acredito que a oralidade contribui e sempre irá
contribuir de forma significativa em nosso conhecimento. Mas voltemos ao
assunto. Como descrevia o que conhecia sobre capoeira era através das conversas
com os mestres ou muito mais dos momentos de escuta e atenção em conversas de
mestres. Fato esse que me deu o nome de Caboré na capoeira. Era muito atento e
sempre estava de olhos e ouvidos bem abertos aos diálogos sobre capoeira que os
mestres e professores realizavam. Com o passar do tempo comecei a me permitir a
leituras sobre capoeira e a realizar diálogos diretos com mestres e professores
o que me fez muito bem no sentido de entender melhor nossa arte e de buscar
sempre aprender mais um pouco.
Aquele fato que diz
respeito ao estilo de jogo do professor Naldo de Juazeiro do Norte - CE descrito
inicialmente me deixou curioso e confesso que muito confuso. Apesar de naquela época ter vivenciado a
capoeira em outros locais fora de Fortaleza aquele estilo de jogo havia me
chamado a atenção.
Por ironia do destino
ou não, em 2005 retorno ao cariri desta vez para fixar residência. O tempo
passou e com ele fiquei um pouco mais experiente, mais maduro. Naquela época
adolescente. Hoje adulto... Aqui
chegando à primeira coisa que fiz depois de me ambientar e aprender a circular
na cidade de Crato – CE foi procurar capoeira. Primeiro reencontrei um colega
também de Fortaleza de nome Furacão e aluno do Mestre Gamela, passando a
freqüentar sua academia sempre que possível. Posteriormente conheci através do
Furacão o Mestre Chico Ceará pessoa que
tenho muita admiração pela maneira de ser e por fazer da capoeira uma filosofia de
vida de fato... Mestre Chico Ceará também tem um estilo de jogo diferenciado,
um pouco parecido com aquele descrito inicialmente, porém é dotado de um molejo
próprio. Aí penso na frase de Mestre Pastinha “Cada um é cada um ninguém joga
do meu jeito”.
Não demorou muito tempo
e iniciei na cidade de Crato um trabalho com capoeira implantando o “Projeto
Capoeiras” na SOLIBEL no bairro Belmonte. Com o convívio próximo a comunidade, percebi
que anualmente saem ônibus cheios de gente para trabalhar nas plantações de
cana de açúcar pelo Brasil a fora. Meu
contato com o Mestre Chico também se intensificou nascendo uma verdadeira amizade
entre nós. A partir de então conheci um pouco mais sobre a capoeira do Cariri
principalmente através da conversas mantidas com o mestre Chico. O mesmo me
contou como iniciou e conheceu a capoeira. A capoeira chegou a sua vida quando
teve que ir a São Paulo em busca de melhorias. A doce ilusão dos nordestinos.
Lá conheceu seu mestre, chamado Mestre Zambi, que lhe ensinou nossa arte. Com o
passar do tempo retornou ao cariri e aqui iniciou suas atividades, primeiro na
cidade de Barbalha e hoje também na cidade de Crato.
Virou rotina realizar
visitas em diversos locais no cariri em busca de conhecer outros mestres e
professores principalmente nas cidades de Crato, Juazeiro do Norte e Barbalha.
Isso também me fez relembrar a primeira vez em que aqui estive como também
entender um pouco mais sobre minha inquietação quanto ao estilo de jogo do
Cariri.
Através da oralidade
descobri que o primeiro a dar aulas na cidade de Crato foi um mestre chamado
Beluá que também aprendeu a arte em São Paulo. Em Juazeiro do Norte percebi
algumas divergências quanto aos pioneiros, mas, há fortes indícios de ser o
Mestre Rocha. Em Barbalha há dois Mestres, o Mestre Nino e o Mestre Chico, ambos
reivindicam esse pioneirismo que apenas um estudo mais aprofundado nos apontará.
Contudo não é interesse desse camarada que escreve apontar pioneiros no intuito
de causar desconforto aos personagens da capoeira do cariri. O que me interessa
é poder entender como veio a surgir a capoeira na região, pois até então pensava
que teria vindo de Fortaleza e pelo pouco que vejo e aprendi a capoeira de
Fortaleza quando por aqui chegou se encontrou com outra vinda de outros lugares
especialmente do estado de São Paulo.
Além disso, o Cariri
Cearense conta com outro fato interessante e importantíssimo, pois, teve uma
personalidade de forte influência na capoeira do mundo. Estou falando de José
Cisnando Lima do Sítio Santa Rosa da cidade de Crato/CE. Esse moço foi aluno de Mestre Bimba ficando
conhecido na capoeira como Cisnando e sendo ele um dos responsáveis pela
realização da Luta Regional Baiana a “Capoeira Regional” quando em seu
aprendizado com Mestre Bimba o ajudou a organizar as metodologias de ensino e
demais aspectos da Capoeira Regional.
Não tenho conhecimento
de que Cisnando tenha chegado a ministrar aulas de capoeira no Cariri Cearense,
mas é fato de que muitos cearenses e outras pessoas de fora da Bahia foram
alunos de Mestre Bimba.
Dessa forma, algumas
características da capoeira do Cariri cearense foram aqui evidenciadas, agora
nos falta agarrar- se a estas evidências e seguir novos caminhos. Caminhos
estes que nos fortalece enquanto capoeiras, nos fazendo buscar conhecer, mais e
mais, nossa complexa arte. Arte de muitos personagens, muitas vozes e de muitos
caminhos.
Iê volta do mundo...!!!
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS:
CAMPOS, Helio. Capoeira Regional: a escola de Mestre
Bimba. Salvador. EDUFBA. 2009.
COSTA, Reginaldo
da Silveira. Capoeira: O Caminho do
Berimbau. Brasília. Editora Dot Ltda. 2000.
LIMA, Manoel
Cordeiro. Dicionário de Capoeira.
Brasília, Edição do Autor. 2005.