sexta-feira, 4 de setembro de 2015

Indícios da Capoeira do Cariri Cearense


Mestre Bimba dizia que a ginga é base do jogo. Pesquisar a capoeira é simplesmente gingar pelo processo da experimentação. É problematizar o jogo no sentido de encontrar uma solução plausível. É hipotetizar o jogo visando responder, antecipadamente, a questões do objeto investigado, o que vale, quer pela confirmação de características, quer pelo encontro de novos caminhos e evidências.
Hélio Campos – Mestre Xaréu

As palavras aqui expostas trazem algumas informações e reflexões a cerca da capoeira no Cariri Cearense. O que motiva a escrever sobre o tema parte de minha necessidade enquanto sujeito da capoeira em estudar o assunto e com isso aprender um pouco mais dessa arte infinita.
Meu primeiro contato com o Cariri Cearense se dá em março de 1997 quando eu, Mestre Samuray e outros membros do grupo fomos participar de um evento da Cia. Terreiro do Brasil (hoje Terreiro Capoeira) na cidade de Juazeiro do Norte – Ce. Na ocasião Professor Naldo era o representante da Terreiro Capoeira no Cariri. Lembro-me que seu estilo de jogo era bastante diferente do nosso e que era bastante parecido com o estilo de jogo do professor Bezerra da cidade de Paracurú-CE - também membro da Terreiro Capoeira. Esse estilo de jogo me inquietava uma vez que era muito diferente do nosso estilo, aprendido em Fortaleza – CE.  Professor Naldo e professor Bezerra quando faziam um jogo parecia que ambos vinham da mesma academia, que beberam na mesma fonte, pois as gingas, as negativas, os modos de atacar, contra atacar e se defender eram muito próximos, porém destoavam do nosso estilo. Conhecendo um pouco mais sobre os dois descobri que ambos aprenderam capoeira em outro estado. São Paulo.
O que aprendi inicialmente quanto à capoeira do Ceará era que a primeira pessoa a ministrar aulas da nossa arte aqui no estado foi o Mestre Zé Renato no ano de 1970 ( segundo o mesmo) no Centro Social Urbano Presidente Médici, situado no bairro rodoviária na cidade de Fortaleza – CE. No ano de 1979 chegou à capital cearense o Mestre Squisito iniciando um trabalho  no Diretório Central dos Estudantes - DCE-UFC  no centro de Fortaleza -CE. Chegando a realizar no Círculo de Operários e Trabalhadores Católicos São José o “Teatro São José” um evento de capoeira que fora transmitido ao vivo para a nossa capital.!  No geral quando falamos da história da capoeira no Ceará o que logo aparece são estas duas informações que de muito contribuem para o entendimento de nossa arte em nosso estado.  Estes dois mestres formaram vários discípulos que hoje estão no mundo afora engrandecendo a capoeira e em especial o Ceará.
Meu conhecimento naquela época sobre capoeira não passava de um conhecimento adquirido através da oralidade sem um maior aprofundamento teórico. Não quero com isso dizer que o meio oral seja inferior. Acredito que a oralidade contribui e sempre irá contribuir de forma significativa em nosso conhecimento. Mas voltemos ao assunto. Como descrevia o que conhecia sobre capoeira era através das conversas com os mestres ou muito mais dos momentos de escuta e atenção em conversas de mestres. Fato esse que me deu o nome de Caboré na capoeira. Era muito atento e sempre estava de olhos e ouvidos bem abertos aos diálogos sobre capoeira que os mestres e professores realizavam. Com o passar do tempo comecei a me permitir a leituras sobre capoeira e a realizar diálogos diretos com mestres e professores o que me fez muito bem no sentido de entender melhor nossa arte e de buscar sempre aprender mais um pouco.
Aquele fato que diz respeito ao estilo de jogo do professor Naldo de Juazeiro do Norte - CE descrito inicialmente me deixou curioso e confesso que muito confuso.  Apesar de naquela época ter vivenciado a capoeira em outros locais fora de Fortaleza aquele estilo de jogo havia me chamado a atenção.
Por ironia do destino ou não, em 2005 retorno ao cariri desta vez para fixar residência. O tempo passou e com ele fiquei um pouco mais experiente, mais maduro. Naquela época adolescente. Hoje adulto...  Aqui chegando à primeira coisa que fiz depois de me ambientar e aprender a circular na cidade de Crato – CE foi procurar capoeira. Primeiro reencontrei um colega também de Fortaleza de nome Furacão e aluno do Mestre Gamela, passando a freqüentar sua academia sempre que possível. Posteriormente conheci através do Furacão o Mestre Chico Ceará pessoa que tenho muita admiração pela maneira de ser e por fazer da capoeira uma filosofia de vida de fato... Mestre Chico Ceará também tem um estilo de jogo diferenciado, um pouco parecido com aquele descrito inicialmente, porém é dotado de um molejo próprio. Aí penso na frase de Mestre Pastinha “Cada um é cada um ninguém joga do meu jeito”.
Não demorou muito tempo e iniciei na cidade de Crato um trabalho com capoeira implantando o “Projeto Capoeiras” na SOLIBEL no bairro Belmonte. Com o convívio próximo a comunidade, percebi que anualmente saem ônibus cheios de gente para trabalhar nas plantações de cana de açúcar pelo Brasil a fora.  Meu contato com o Mestre Chico também se intensificou nascendo uma verdadeira amizade entre nós. A partir de então conheci um pouco mais sobre a capoeira do Cariri principalmente através da conversas mantidas com o mestre Chico. O mesmo me contou como iniciou e conheceu a capoeira. A capoeira chegou a sua vida quando teve que ir a São Paulo em busca de melhorias. A doce ilusão dos nordestinos. Lá conheceu seu mestre, chamado Mestre Zambi, que lhe ensinou nossa arte. Com o passar do tempo retornou ao cariri e aqui iniciou suas atividades, primeiro na cidade de Barbalha e hoje também na cidade de Crato.
Virou rotina realizar visitas em diversos locais no cariri em busca de conhecer outros mestres e professores principalmente nas cidades de Crato, Juazeiro do Norte e Barbalha. Isso também me fez relembrar a primeira vez em que aqui estive como também entender um pouco mais sobre minha inquietação quanto ao estilo de jogo do Cariri.
Através da oralidade descobri que o primeiro a dar aulas na cidade de Crato foi um mestre chamado Beluá que também aprendeu a arte em São Paulo. Em Juazeiro do Norte percebi algumas divergências quanto aos pioneiros, mas, há fortes indícios de ser o Mestre Rocha. Em Barbalha há dois Mestres, o Mestre Nino e o Mestre Chico, ambos reivindicam esse pioneirismo que apenas um estudo mais aprofundado nos apontará. Contudo não é interesse desse camarada que escreve apontar pioneiros no intuito de causar desconforto aos personagens da capoeira do cariri. O que me interessa é poder entender como veio a surgir a capoeira na região, pois até então pensava que teria vindo de Fortaleza e pelo pouco que vejo e aprendi a capoeira de Fortaleza quando por aqui chegou se encontrou com outra vinda de outros lugares especialmente do estado de São Paulo.
Além disso, o Cariri Cearense conta com outro fato interessante e importantíssimo, pois, teve uma personalidade de forte influência na capoeira do mundo. Estou falando de José Cisnando Lima do Sítio Santa Rosa da cidade de Crato/CE.  Esse moço foi aluno de Mestre Bimba ficando conhecido na capoeira como Cisnando e sendo ele um dos responsáveis pela realização da Luta Regional Baiana a “Capoeira Regional” quando em seu aprendizado com Mestre Bimba o ajudou a organizar as metodologias de ensino e demais aspectos da Capoeira Regional.
Não tenho conhecimento de que Cisnando tenha chegado a ministrar aulas de capoeira no Cariri Cearense, mas é fato de que muitos cearenses e outras pessoas de fora da Bahia foram alunos de Mestre Bimba.
Dessa forma, algumas características da capoeira do Cariri cearense foram aqui evidenciadas, agora nos falta agarrar- se a estas evidências e seguir novos caminhos. Caminhos estes que nos fortalece enquanto capoeiras, nos fazendo buscar conhecer, mais e mais, nossa complexa arte. Arte de muitos personagens, muitas vozes e de muitos caminhos.
Iê volta do mundo...!!!


REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS:
CAMPOS, Helio. Capoeira Regional: a escola de Mestre Bimba. Salvador. EDUFBA. 2009.
COSTA, Reginaldo da Silveira. Capoeira: O Caminho do Berimbau. Brasília. Editora Dot Ltda. 2000.

LIMA, Manoel Cordeiro. Dicionário de Capoeira. Brasília, Edição do Autor. 2005.