terça-feira, 15 de dezembro de 2015

Um Sujeito Que a Capoeira Marcou a Ferro e a Fogo

Um Sujeito Que a Capoeira Marcou a Ferro e a Fogo.

Escrevi na publicação “O Inicio de Algo que Não Tem Fim” como conheci a capoeira e como venho me dedicando a ela.  Hoje tentarei traçar outro viés. Vou falar de alguns eventos que realizei que para mim foram muito significativos!
Antes de falar diretamente dos eventos quero iniciar essa conversa, falando mesmo que superficialmente dos locais de trabalho e de como isso começou. 
Vamos lá; O mestre Samuray (in memoriam), sempre foi um grande incentivador e um grande líder no sentido de expandir os trabalhos e fazer com que os alunos logo cedo desenvolvessem o gosto e o saber para o ato de ensinar capoeira.  Na nossa
Sede (Quadra do Céu – UFC) era comum ver um aluno dando aulas para os mais graduados. Além dos valores de respeito ao próximo e da humildade o mestre com esta ação instigava os menos graduados a se tornarem lideres e professores. Existia uma regra muito básica em nossa academia: O horário era certo, não havia atraso com o Mestre Samuray daí quem estivesse na ocasião passava o treino e muitas vezes éramos nós os menos graduados. 
Muito cedo comecei meus trabalhos com capoeira que foram dois especificamente. Um juntamente com o Mestre Samuray na cidade de Guaramiranga – CE onde eu ministrava aulas em duas localidades chamadas Arábia e Linha da Serra e o Mestre em outras duas chamadas Pernambuquinho e Sede.
O outro trabalho foi no Colégio Estadual Joaquim Nogueira em Fortaleza no bairro Parquelandia do qual eu estudava e fazia parte do grêmio estudantil. Havia uma sala que servia de deposito, e nesta sala criei o CTD (Centro de Treinamento e Difusão) Joaquim Nogueira.
Alguns anos depois com minha mudança de residência implantei três ctds no cariri cearense, nas cidades de Crato e Caririaçu. Em Crato fiz base na SOLIBEL – Sociedade Lírica do Belmonte – e trabalhei em um projeto do Sesc – Crato no Pólo de Atendimento da localidade de Ponta da Serra. Em Caririaçu desenvolvi um trabalho junto à prefeitura municipal no Centro Cultural daquela cidade.
Assim como o Mestre Samuray nos incentivava a dar aulas ele nos colocava obrigações quando estávamos em período de eventos. E quem o conheceu sabe a dimensão desses eventos. Nós alunos convivíamos muito precocemente com as responsabilidades de aulas e eventos, portanto aqueles que se interessavam tinham nessas experiências um grande aprendizado de vida.
Meu apelido surge dessa curiosidade e insistência que sempre tive em estar envolvido com as aulas, com os debates e rodas de conversas entre os mestres, enfim... Desse interesse constante de está querendo sempre aprender um pouco mais, surge às oportunidades de realizar ainda na fase de aluno algumas viagens para representar o grupo em eventos fora do estado me inserindo muito cedo no circuito dos eventos capoeira.
Meu primeiro trabalho formal com a capoeira foi na cidade de Guaramiranga - CE, lá eu tinha um contrato de trabalho com a prefeitura para ministrar aulas em duas localidades quer foram faladas anteriormente.

Portanto o meu primeiro evento propriamente dito foi a realização do primeiro batismo de capoeira da Terreiro na cidade. O evento foi realizado com o Mestre Samuray e sob a sua coordenação uma vez que o mesmo também trabalhava lá em outras duas localidades. O Batismo em Guaramiranga foi um evento simples, porém muito significativo. Lá fizemos um cortejo de abertura e uma caminhada ecológica por uma trilha que nos levava ao Pico Alto. Além disso, o evento contou com apresentações de danças populares, de maculelê e grupos musicais.  Foi uma festa marcante e expressiva e a partir daquele momento a responsabilidade só aumentava. Já havia contribuído e participado ativamente de outros grandes eventos, tais como o Congresso Nacional de Capoeira realizado em Fortaleza no ano de 1996 e o lançamento do Cd da ABPC – Associação dos Professores de Capoeira - também em nossa capital.  Mas aquele foi um evento fruto direto de meu trabalho. Meus primeiros alunos, meu primeiro batismo. Foi sem dúvidas uma grande experiência da qual hoje ainda colho frutos através das amizades e dos afetos conquistados.

O segundo evento foi realizado em Fortaleza, na Escola Estadual Joaquim Nogueira. Hoje EEEP Joaquim Nogueira. Lá contava com poucos alunos, mas era uma turma bacana e bem assídua. Foi um evento muito simples com poucas pessoas, mas muito alegre e bem organizado, os meninos eram bem engajados e assim conseguimos fazer nossa história ali naquele local. Ali posso dizer que foi meu primeiro evento independente, apesar de contar com o apoio do Mestre Piqueno e do Mestre Samuray. Mas era meu, minha cara, meus desejos, minha realização pessoal...  Hoje sei bem o que significa isso e sou agradecido ao mestre Samuray e ao mestre Piqueno pela força dada!
Passa-se os anos, tivemos a ruptura com o Mestre Samuray, tivemos nossas complicações na reorganização da Terreiro no Ceará e eu resolvi mudar a vida, mudar e crescer era o lema! Para isso resolvi ir embora de Fortaleza aportando na cidade de Crato também no Ceará. Minha mãe falou-me que no dia em que viajei a turma lá do bairro Pici (Amocap) organizaram no final do dia uma despedida na porta de minha casa, porém já havia viajado e não presenciei tal ato. Até hoje carrego isso em meu imaginário como se tivesse visto toda homenagem prestada... Carrego porque a senti e sempre que me lembro desse episódio fico imaginado aquela roda de capoeira, no canto de adeus, adeus, boa viagem. Fico imaginando cada gesto de carinho e amizade. Por isso tenho viva esta lembrança!
Sem dúvida fui ao cariri em busca de algo novo. Coisa de capoeirista... Quando o jogo ta ruim ele dá volta ao mundo e recomeça o jogo buscando novas situações!
Na primeira oportunidade que tive fui conhecer os grupos locais de capoeira. Fui tentar rever também os capoeiristas que havia conhecido em 1997 quando realizamos um evento na vizinha cidade Juazeiro do Norte.

Só um ano após minha chegada que começo meu primeiro trabalho em terras cariris, isso ocorreu numa escola de música localizada no bairro Belmonte que fica no pé da Chapada do Araripe. Foi um trabalho realizado especificamente com crianças e as aulas eram nas segundas, quartas e sextas pela manhã. Foram manhãs de muito aprendizado e de muita alegria. Com o passar do tempo também fiz um horário nas noites de segunda feira.

As aulas se intensificaram e começaram a criar corpo, a “brasa” - (lembra disso Mestre Squisito?) da qual havíamos falado alguns anos antes em um de nossos simpósios - estava ali vermelhinha esperando esse sopro...  De vida! Os meninos e meninas a cada dia mais engajados e determinados e assim tive, com muita felicidade, que realizar 1º Encontro do Projeto Capoeiras no Cariri - Escambo Cultural. Neste evento contamos com a presença de várias pessoas da Terreiro dentre elas o Mestre Soldado (in memoriam), Auricelio, Piqueno, Claudinha, Risadinha, Recruta, Gata Brava, Marcia e nosso irmão Mestre Adilson de Natal-RN. 

O evento tinha o escambo cultural como premissa e a idéia era propor aos participantes a maior vivência cultural e de saberes possíveis. Pois além do batismo incluímos apresentações culturais, papoeira, caminhada ecológica e no domingo à noite uma vivência maravilhosa na casa do Mestre Raimundo Aniceto líder da Banda Cabaçal do Irmãos Aniceto, que na data estava realizando sua festa de renovação. 



Feliz e realizado esse era o Caboré naquele período! Certamente a galera voltou para suas casas felizes com tudo que haviam visto durante àquele fim de semana que pareceu voar diante tanta coisa vivenciada. O evento me fez dedicar-se mais e mais ao ensino da capoeira no cariri fazendo-me abrir dois CTD’s, um no distrito de Ponta da Serra em Crato e outro na cidade de Caririaçu.




As atividades na SOLIBEL estavam firmes, lá funcionava a sede da Terreiro no Cariri e no ano seguinte “2009” realizei o 2° Encontro do projeto Capoeiras no Cariri dessa vez com menos participantes mas com a realização de um sonho; ter a presença ilustre do Mestre Squisito!
O evento foi muito bom e satisfatório. Tinha um trabalho muito forte e de personalidade naquele local. Tudo construído na base da convivência e amizade com a comunidade. Meus alunos eram crianças, e meu filho estava prestes a nascer... O evento ocorrido no fim de semana e a vinda desse guerreiro na segunda, me deixavam em êxtase!

Não tivemos neste evento apresentações a noite por que estava objetivando uma melhor visibilidade da capoeira por parte do poder público e seus agentes. Essa minha luta resultou numa importante palestra do Mestre Squisito realizada no Centro Cultural Banco do Nordeste – Cariri onde tivemos a participação de cerca de 100 capoeiristas da região sendo dessa forma, um marco para a capoeira do Cariri.

Lá no cariri conheci várias pessoas importantes para meu fortalecimento me fazendo enveredar num caminho artístico cultural do qual percorro até hoje. As coisas não foram nada fáceis, tive muitas pedras no caminho... Mas consegui estudar, me formar em arte, crescer e mudar!

É bom visualizar e se rever nesses caminhos que ora me dá saudade, nostalgia, mas que também traz muita satisfação e alegria. Alegria em saber identificar e reconhecer que há cerca de 20 anos esse ciclo teve inicio e muito tenho a agradecer aos camaradas que convivi pelas conversas de pé de orelha, pelos conselhos, pelas broncas, pelas alegrias e tristezas, vividas e compartilhadas. Hoje nossa meta é crescimento e é isso que tenho feito a passos lentos, porém sólidos!

Iê viva meu Mestre!
Iê viva a Capoeira!

Iê volta do Mundo!

terça-feira, 17 de novembro de 2015

Tempo Bom... Tempo Que Não Volta Mais, Tempo Bom de Capoeira, Tempo Na Beira do Cais!

Tempo Bom... Tempo que não Volta mais!

Certamente vocês estão questionando o motivo desta publicação, desta imagem. Um prédio parcialmente destruído, abandonado, onde a natureza luta para conquistar novamente o que foi seu... Se observar a imagem por completo irá perceber que se trata de um lugar na praia, pois a parede do prédio vizinho e o próprio solo evidenciam um lugar a beira mar. 
Ao parar defronte este local me vieram boas lembranças! Pois exatamente ali no ano de 1997 realizamos nossa 1ª emboscada na ocasião do Simpósio Internacional de capoeira. Neste evento tivemos a ilustre presença de Mestre Onça Tigre que foi discípulo de Mestre Bimba! "É galera essa era a barraca do Pereira" palco ilustre de nosso evento. Nela ocorreram a confraternização e a emboscada que foi realizada de forma um pouco diferente que fazemos hoje.

Hoje tentamos realizar a emboscada de forma mais aproximada possível da que o mestre Bimba realizava. Obviamente que não chegaremos a fazer uma emboscada igual por uma série de motivos dentre eles o contexto sócio cultural da época, mas na ocasião deste simpósio realizado na cidade de Paracuru no estado do Ceará fizemos nossa primeira experiência. Certamente a convivência de uma semana com o Mestre Onça Tigre - que foi aluno do Mestre Bimba - nos incentivou e nos ajudou a concretizar este feito. Acervo Orismidio DuarteA emboscada foi concebida como uma competição de caça ao tesouro. Qual o tesouro?  Três berimbaus; um cor de prata, um cor de bronze e um cor de ouro que foram desmontados e suas peças escondidas de modo aleatório em uma rota predeterminada pela cidade. 
Foram formadas 04 equipes e a regra era muito simples: achar as peças e montar os berimbaus. A equipe que montasse o berimbau ouro ou os três berimbaus seria a equipe campeã. Realmente muito fácil não é? Confesso que também cai nesta triste ilusão. 
De certa forma foi fácil encontrar as peças, mas a dificuldade estava em chegar com as mesmas no ponto de partida “A barraca do Pereira” que ficava cerca de 800m da rota dos berimbaus escondidos. Porque? Ora, as equipes estavam dispostas a tudo para conseguir êxito e se sagrarem campeãs!  Esse tudo significou na prática que naquele dia a cidade de Paracuru- CE se tornaria um campo de luta onde a regra era proteger o bem encontrado a qualquer custo!
Poderíamos comparar o que houve com as maltas no Rio de janeiro. Obviamente que não se tratava de lutas de vida ou morte. Podemos também comparar e acredito que a descrição mais exata para o que ocorreu na cidade é esta: Os grupos fizeram várias tocaias, ora você era capoeira tentando escapar, ora você era capitão do mato tentando prender!
Foi uma loucura, disputas acirradas ocorreram! Pessoas foram amarradas em postes, em árvores e até de cabeça para baixo na porta principal do mercado público! A polícia foi acionada pela população imaginando ser briga de verdade e tentou prender os capoeiristas, mas alguém nos salvou explicando o ocorrido.
Lembro - me que um dos grupos ficou de tocaia próximo a barraca que era o ponto de chegada e montagem do berimbau. A maré estava cheia a água invadia a área de praia, ocorreram algumas disputas na água e um maluco que não me recordo o nome, “a se ver atocaiado” entrou mar adentro nadando e saindo em outro ponto da praia. Ele estava com o arame ouro.
A emboscada terminou no inicio da noite, o sol não mais nos dava sua luz irradiante, a melancolia do fim de tarde abria as portas para a lua nos banhar com seu brilho. Quem montou o berimbau ouro? Ninguém! Na verdade ninguém conseguiu montar um berimbau com as peças de mesma cor. A equipe campeã foi àquela que mais se aproximou da montagem completa e por ironia do destino foi a equipe que havia montado o berimbau com a maior quantidade de peças cor bronze! As peças ouro e prata ficaram divididas com as três equipes invibializando a montagem dos berimbaus. Essa experiência nos deixa uma grande lição de vida! Não é só o ouro que nos traz felicidades. Muitas vezes corremos atrás dele e  esquecemos que podemos conseguir os objetivos com menos.
Terminada a emboscada uma grande vivência de capoeira a beira mar nos esperava. Tochas foram espalhadas nas proximidades da barraca e naquele pequeno espaço fizemos uma das melhores rodas de capoeira que a cidade de Paracuru no Ceará realizou e que eu participei!

Iê viva capoeira!
Iê Viva meu Mestre!
Iê volta do Mundo!




Orismidio Duarte.


sexta-feira, 4 de setembro de 2015

Indícios da Capoeira do Cariri Cearense


Mestre Bimba dizia que a ginga é base do jogo. Pesquisar a capoeira é simplesmente gingar pelo processo da experimentação. É problematizar o jogo no sentido de encontrar uma solução plausível. É hipotetizar o jogo visando responder, antecipadamente, a questões do objeto investigado, o que vale, quer pela confirmação de características, quer pelo encontro de novos caminhos e evidências.
Hélio Campos – Mestre Xaréu

As palavras aqui expostas trazem algumas informações e reflexões a cerca da capoeira no Cariri Cearense. O que motiva a escrever sobre o tema parte de minha necessidade enquanto sujeito da capoeira em estudar o assunto e com isso aprender um pouco mais dessa arte infinita.
Meu primeiro contato com o Cariri Cearense se dá em março de 1997 quando eu, Mestre Samuray e outros membros do grupo fomos participar de um evento da Cia. Terreiro do Brasil (hoje Terreiro Capoeira) na cidade de Juazeiro do Norte – Ce. Na ocasião Professor Naldo era o representante da Terreiro Capoeira no Cariri. Lembro-me que seu estilo de jogo era bastante diferente do nosso e que era bastante parecido com o estilo de jogo do professor Bezerra da cidade de Paracurú-CE - também membro da Terreiro Capoeira. Esse estilo de jogo me inquietava uma vez que era muito diferente do nosso estilo, aprendido em Fortaleza – CE.  Professor Naldo e professor Bezerra quando faziam um jogo parecia que ambos vinham da mesma academia, que beberam na mesma fonte, pois as gingas, as negativas, os modos de atacar, contra atacar e se defender eram muito próximos, porém destoavam do nosso estilo. Conhecendo um pouco mais sobre os dois descobri que ambos aprenderam capoeira em outro estado. São Paulo.
O que aprendi inicialmente quanto à capoeira do Ceará era que a primeira pessoa a ministrar aulas da nossa arte aqui no estado foi o Mestre Zé Renato no ano de 1970 ( segundo o mesmo) no Centro Social Urbano Presidente Médici, situado no bairro rodoviária na cidade de Fortaleza – CE. No ano de 1979 chegou à capital cearense o Mestre Squisito iniciando um trabalho  no Diretório Central dos Estudantes - DCE-UFC  no centro de Fortaleza -CE. Chegando a realizar no Círculo de Operários e Trabalhadores Católicos São José o “Teatro São José” um evento de capoeira que fora transmitido ao vivo para a nossa capital.!  No geral quando falamos da história da capoeira no Ceará o que logo aparece são estas duas informações que de muito contribuem para o entendimento de nossa arte em nosso estado.  Estes dois mestres formaram vários discípulos que hoje estão no mundo afora engrandecendo a capoeira e em especial o Ceará.
Meu conhecimento naquela época sobre capoeira não passava de um conhecimento adquirido através da oralidade sem um maior aprofundamento teórico. Não quero com isso dizer que o meio oral seja inferior. Acredito que a oralidade contribui e sempre irá contribuir de forma significativa em nosso conhecimento. Mas voltemos ao assunto. Como descrevia o que conhecia sobre capoeira era através das conversas com os mestres ou muito mais dos momentos de escuta e atenção em conversas de mestres. Fato esse que me deu o nome de Caboré na capoeira. Era muito atento e sempre estava de olhos e ouvidos bem abertos aos diálogos sobre capoeira que os mestres e professores realizavam. Com o passar do tempo comecei a me permitir a leituras sobre capoeira e a realizar diálogos diretos com mestres e professores o que me fez muito bem no sentido de entender melhor nossa arte e de buscar sempre aprender mais um pouco.
Aquele fato que diz respeito ao estilo de jogo do professor Naldo de Juazeiro do Norte - CE descrito inicialmente me deixou curioso e confesso que muito confuso.  Apesar de naquela época ter vivenciado a capoeira em outros locais fora de Fortaleza aquele estilo de jogo havia me chamado a atenção.
Por ironia do destino ou não, em 2005 retorno ao cariri desta vez para fixar residência. O tempo passou e com ele fiquei um pouco mais experiente, mais maduro. Naquela época adolescente. Hoje adulto...  Aqui chegando à primeira coisa que fiz depois de me ambientar e aprender a circular na cidade de Crato – CE foi procurar capoeira. Primeiro reencontrei um colega também de Fortaleza de nome Furacão e aluno do Mestre Gamela, passando a freqüentar sua academia sempre que possível. Posteriormente conheci através do Furacão o Mestre Chico Ceará pessoa que tenho muita admiração pela maneira de ser e por fazer da capoeira uma filosofia de vida de fato... Mestre Chico Ceará também tem um estilo de jogo diferenciado, um pouco parecido com aquele descrito inicialmente, porém é dotado de um molejo próprio. Aí penso na frase de Mestre Pastinha “Cada um é cada um ninguém joga do meu jeito”.
Não demorou muito tempo e iniciei na cidade de Crato um trabalho com capoeira implantando o “Projeto Capoeiras” na SOLIBEL no bairro Belmonte. Com o convívio próximo a comunidade, percebi que anualmente saem ônibus cheios de gente para trabalhar nas plantações de cana de açúcar pelo Brasil a fora.  Meu contato com o Mestre Chico também se intensificou nascendo uma verdadeira amizade entre nós. A partir de então conheci um pouco mais sobre a capoeira do Cariri principalmente através da conversas mantidas com o mestre Chico. O mesmo me contou como iniciou e conheceu a capoeira. A capoeira chegou a sua vida quando teve que ir a São Paulo em busca de melhorias. A doce ilusão dos nordestinos. Lá conheceu seu mestre, chamado Mestre Zambi, que lhe ensinou nossa arte. Com o passar do tempo retornou ao cariri e aqui iniciou suas atividades, primeiro na cidade de Barbalha e hoje também na cidade de Crato.
Virou rotina realizar visitas em diversos locais no cariri em busca de conhecer outros mestres e professores principalmente nas cidades de Crato, Juazeiro do Norte e Barbalha. Isso também me fez relembrar a primeira vez em que aqui estive como também entender um pouco mais sobre minha inquietação quanto ao estilo de jogo do Cariri.
Através da oralidade descobri que o primeiro a dar aulas na cidade de Crato foi um mestre chamado Beluá que também aprendeu a arte em São Paulo. Em Juazeiro do Norte percebi algumas divergências quanto aos pioneiros, mas, há fortes indícios de ser o Mestre Rocha. Em Barbalha há dois Mestres, o Mestre Nino e o Mestre Chico, ambos reivindicam esse pioneirismo que apenas um estudo mais aprofundado nos apontará. Contudo não é interesse desse camarada que escreve apontar pioneiros no intuito de causar desconforto aos personagens da capoeira do cariri. O que me interessa é poder entender como veio a surgir a capoeira na região, pois até então pensava que teria vindo de Fortaleza e pelo pouco que vejo e aprendi a capoeira de Fortaleza quando por aqui chegou se encontrou com outra vinda de outros lugares especialmente do estado de São Paulo.
Além disso, o Cariri Cearense conta com outro fato interessante e importantíssimo, pois, teve uma personalidade de forte influência na capoeira do mundo. Estou falando de José Cisnando Lima do Sítio Santa Rosa da cidade de Crato/CE.  Esse moço foi aluno de Mestre Bimba ficando conhecido na capoeira como Cisnando e sendo ele um dos responsáveis pela realização da Luta Regional Baiana a “Capoeira Regional” quando em seu aprendizado com Mestre Bimba o ajudou a organizar as metodologias de ensino e demais aspectos da Capoeira Regional.
Não tenho conhecimento de que Cisnando tenha chegado a ministrar aulas de capoeira no Cariri Cearense, mas é fato de que muitos cearenses e outras pessoas de fora da Bahia foram alunos de Mestre Bimba.
Dessa forma, algumas características da capoeira do Cariri cearense foram aqui evidenciadas, agora nos falta agarrar- se a estas evidências e seguir novos caminhos. Caminhos estes que nos fortalece enquanto capoeiras, nos fazendo buscar conhecer, mais e mais, nossa complexa arte. Arte de muitos personagens, muitas vozes e de muitos caminhos.
Iê volta do mundo...!!!


REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS:
CAMPOS, Helio. Capoeira Regional: a escola de Mestre Bimba. Salvador. EDUFBA. 2009.
COSTA, Reginaldo da Silveira. Capoeira: O Caminho do Berimbau. Brasília. Editora Dot Ltda. 2000.

LIMA, Manoel Cordeiro. Dicionário de Capoeira. Brasília, Edição do Autor. 2005.

segunda-feira, 31 de agosto de 2015

E um Momento Único Aconteceu no Cariri



Pego-me hoje lendo uma publicação do Mestre Squisito em seu blog do qual ele relatava sua ida a um evento na cidade de Teresina – PI. Evento do Mestre Albino, pessoa que tenho muita admiração, respeito e amizade. Amizade essa cunhada há muito tempo atrás nos grandes encontros promovidos pelo nosso Mestre Samuray. (In memoriam). Nesta publicação Mestre Squisito escreve a respeito dos sonhos dos capoeiristas e me chama a atenção quando ele fala: “Os verdadeiros capoeiristas não fazem planos para si mesmos.” Desde quando retornei a Fortaleza após o evento da Virada Cultural do Grupo Arte e Tradição e o Intercambio Cultural Arte e Tradição e Terreiro Capoeira, venho tentando escrever sobre este magnífico evento, porém não havia encontrado palavras ou mesmo algo que pudesse ser o estopim para descrever este momento de muita importância para a capoeira do meu cariri cearense, bem como para mim e meus camaradas da Terreiro Capoeira. Começarei falando sobre minha chegada ao cairiri, sobre os devaneios e eventos realizados.

Então quando lá cheguei para morar, tive vários sonhos, porém havia um em especial; o sonho de realizar um encontro de capoeira onde houvesse a inserção da cultura popular de forma direta, de tal forma que os capoeiristas pudessem respirar as manifestações populares de nosso cariri.
Certamente não é por acaso, não ocorre à toa, mas a construção desse sonho acontece através de um olhar lançado a esta cultura e a identificação de coisas similares, coisas próximas a nossa arte capoeira, como o maneiro pau, as rodas de coco, as disputas no reisado, dentre outras.

Na realização e organização de meu primeiro evento em terras cariris tive o privilégio de ter a participação dos irmãos da Terreiro. O Mestre Soldado. (In memoriam), o Mestrando Piqueno, Contra Mestre Risadinha, Contra Mestre Adilson de Natal, dentre outros. O evento ocorreu nos dias 14 e 15 de junho de 2008 no auditório da SOLIBEL[1] já trazendo em seu título esse desejo estampado: “I Encontro do Projeto Capoeiras no Cariri - Escambo Cultural”. A idéia principal como titulo sugere; a troca de conhecimentos, as vivências e saberes. Não foi possível levar ao evento apresentações dos grupos de tradição popular do cariri, porém consegui articular a ida dos convidados para ver uma “renovação” [2] e por ironia do destino uma das mais tradicionais da cidade do Crato - CE. A renovação do Mestre Raimundo Aniceto, líder da Banda Cabaçal dos Irmãos Aniceto. Quem lá esteve pode vivenciar algumas apresentações de reisado, de banda cabaçal, além de se divertir e dançar um forró tradicional regado ao som dos pifes, sanfona, zabumba e pratos.

No ano seguinte realizo o segundo encontro, desta vez não pude contar com uma presença maior de meus irmãos da Terreiro vindo apenas o formado Nervoso e o nosso grande Mestre Squisito. Neste ano procurei um campo mais político, onde tinha como foco de trabalho a inserção da capoeira nos equipamentos culturais da região. Sim, se tratava de outro sonho ver as instituições olhando com respeito para nossa arte! Com muita luta e dedicação no dia 18 junho de 2009 consegui inserir uma palestra do Mestre Squisito para a comunidade capoeirística da região no Centro Cultural Banco do Nordeste Cariri. Foi um marco essa conquista, não para mim ou para Terreiro Capoeira, mas para a capoeira do cariri que a partir daquela data vem vivenciando um melhor acesso as instituições que promovem a cultura popular.

No decorrer do tempo problemas pessoais surgiram e ai me pego em outra citação do Mestre Squisito numa excelente crítica a um livro de nosso camarada Mestre Umói: "celebrações e momentos cruéis são apenas paisagens de um guerreiro que sai vadiando pela vida, e rir ou chorar é parte da história, não há tempo para pausar a caminhada. O berimbau recomeça a próxima roda e a vida continua consumada em mais uma ladainha." Me vi nestas palavras quando os problemas surgiram, fui capoeira em todos os aspectos, saí vadiando pela vida e não parei a caminhada... E um dia o berimbau tocou outra ladainha! A ladainha que falava sobre aquele sonho inicial, aquele sonho maior! A ladainha que falava que o capoeirista que é capoeirista é forte! E se ele é verdadeiro seus sonhos são para a capoeira! E se ele juntar-se a outro capoeirista de boa índole ficará mais forte ainda na busca do sonho... E o berimbau cantou: Iêêê vamos jogar!!!!!!!

Certo dia, cheguei num terreiro de bamba, não recordo a data, mas foi no ano de 2006. Um lugar mágico, bucólico, energizado pela simplicidade das pessoas de bom coração, pessoas que vivem a cultura popular no seu dia a dia, num lugar energizado pela natureza por meio de todos os seus elementos! Esse terreiro tem o nome de Arte e Tradição sendo liderado pelo Mestre Chico Ceará um amigo que hoje é irmão, mas que em muitos momentos foi pai para me dar forças para vadiar e não parar a caminhada foi filho para escutar, seguir orientações e conselhos. Foi mestre... Um terreiro de chão batido, sonho do Mestre Squisito na concepção da Terreiro Capoeira.

Em meio a tantas idas e vindas, de tantos treinos, rodas, apresentações e eventos juntos, eis que surgiu a magnífica idéia de realizar um evento em conjunto. Sentamos por várias vezes para tratar acerca deste evento e em muitas delas a madrugada foi testemunha de diversos outros sonhos, de algumas angustias em não poder fazer mais, do medo de não dar certo, da incerteza do que e de como seria. Traçamos os planos, as estratégias e fomos ao jogo. O evento teve como tema principal “I Virada Cultural do Grupo Arte e Tradição” e como tema secundário “I Intercambio Cultural Arte e Tradição e Terreiro Capoeira”, Seria uma experiência inédita no cariri e cerca de quatro meses antes do evento já tínhamos a confirmação de uma grande e importante personalidade da capoeira o Mestre Pombo de Ouro, aluno na década de 60 de Mestre Bimba, criador da Capoeira Regional.

A medida em que os meses vão se passando também cria-se uma certa tensão pré evento, afinal se tratava de um projeto inusitado até então não executado. Chega o mês de julho e 15 dias antes do inicio do encontro vou ao cariri ver meu filho e me dedicar à organização do evento. Tensões, preocupações, dúvidas eram constantes, os dias se passaram, tivemos a ajuda de outras pessoas que abraçaram a causa como sua. A família do mestre Chico Ceará, e a Bambam, amiga e capoeirista do Grupo Badauê foram fundamentais neste processo ajudando em tudo! 

E na quinta feira dia 29/07/2015 começaram a chegar os camaradas da Terreiro Capoeira; pela manhã o Contramestre Recruta, o formado Nervoso e os alunos Kaduh e Ellem e a tarde os Contramestres Risadinha, Apache e Gata Brava. A noite houve uma roda de capoeira inesquecível com a participação de alguns camaradas da cidade do Crato do Grupo Oxosse, Badauê. Roda com muita harmonia, jogos bons, técnicos e principalmente sem violência!

Na sexta pela manhã desembarca no Crato o camarada Mestrando Piqueno que nem se quer descansou indo conosco a rádio São Francisco FM na mesma cidade divulgar o evento. No período da tarde chega nosso convidado especial o Mestre Pombo de Ouro. Eu, Contramestre Risadinha e Mestre Chico Ceará fomos buscá-lo no aeroporto da vizinha cidade Juazeiro do Norte terra abençoada pelo Pe. Cícero. Enquanto estávamos no aeroporto a moçada que ficou em casa estava preparando uma boa emboscada ao Mestre Pombo de Ouro. Na preparação desta emboscada aconteceu - segundo relatos - uma roda de capoeira com as crianças na sala do Mestre Chico Ceará. Enquanto a roda acontecia com bastante axé na casa, nós recebíamos-mos o Mestre Pombo de Ouro com muito entusiasmo, o Mestre chega num vôo direto Brasília – Juazeiro do Norte pela empresa Avianca. Recebemos o Mestre, lhe desejamos boas vindas e nos dirigimos de volta ao Sitio Santo Antônio de Arajara em Barbalha – CE terra dos verdes canaviais, local do evento e casa do Mestre Chico Ceará.
Quando chegamos a casa era um silêncio... A emboscada estava armada e ao adentrar a casa o Mestre Pombo de Ouro se depara com um berimbau e dois pandeiros de couro a tocar um São Bento Grande de Regional e todos cantaram: “Camisa aberta[3], sandália de couro, ô bata palmas para o Mestre Pombo de Ouro!!! Mestre Pombo de Ouro é com grande Satisfação, que lhe recebemos no Grupo Arte e Tradição!!! Camisa aberta... E a Terreiro também vem lhe saudar, com Caboré e todos os camarás!!! Camisa aberta... Mestre Squisito está longe daqui, mas fica alegre por esse dia existir!!! Camisa aberta... A música durou bastante tempo, pois cada um fazia um improviso e o côro respondia: camisa aberta... 
Tivemos a primeira grande emoção do evento e a partir daquele momento pude sentir as boas vibrações e a certeza de que essa terreirada seria um grande momento para todos!

Feitas as apresentações e o acolhimento ao Mestre Pombo de Ouro volto a organização das coisas pendentes, pois tínhamos a tarefa de realizar uma emboscada[4] como contra partida ao intercâmbio cultural proposto.
Fomos à mata marcar a trilha da emboscada e feita às devidas marcações voltamos ao terreiro onde decidimos antecipar a mesma para sexta feira, pois percebemos que no sábado como estava marcado, ficaria inviável devido à virada cultural. 

As 19h horas de sexta feira os emboscadores se reúnem para traçar as últimas estratégias. Eu, os Contramestres Recruta, Apache, Risadinha e Gata Brava o Mestre Chico Ceará, o Formado Nervoso, a Monitora Bambam, além de Ellem e Kadu alunos do Formado Nervoso. Traçadas as estratégias nos reunimos com os camaradas que seriam emboscados. Eram quatro, Jefferson, Aurelio, Iarley e Italo. 


Nós, emboscadores fomos para mata e aguardamos a chegada deles no inicio da trilha com gritos de guerra: Não vai conseguir, não vai passar, vou te emboscar! Vou te emboscar! É melhor desistir, é melhor desistir, pois quem entrar na mata não vai sair!
A lua espiava tudo lá de cima e São Jorge nos dava sua proteção! Quando os sujeitos chegaram era visível a tensão! Risos aleatórios, falas em alto volume. Além da tensão dos quatro, toda a comunidade do entorno estava tensa, sem saber como isso iria acontecer, pedidos para pegar leve eram constantes! Mas essa preocupação não se dava apenas pelos carinhos que os quatro iam levar na mata, mas sim pelas histórias da cultura popular sobre as caiporas![5] Lembro-me até de uma irmã de Dona Socorro esposa do Mestre Chico, nos orientando a entrar na mata com folhas nas mãos pois as mesmas nos serviram de oferendas para a caipora.
Após a chegada dos emboscados as coordenadas de como seria, o trajeto e os detalhes para que não se perdessem na mata foram passadas. Feito isso nós emboscadores nos dirigimos aos locais previamente combinados, conferimos todas as armadilhas e aguardamos o primeiro. 
Libera!!!!!!!!! E o primeiro sai, em um determinado lugar da trilha as mulheres ficaram com água, goma e corda. Já dá pra imaginar a utilidade... Após a passagem do camarada por este local uma das meninas gritava: Passou!!!!! Esse era o sinal para ficarmos atentos a chegada do sujeito. Certo tempo depois ele se aproxima e não sabemos o porque mas o mesmo conseguiu passar por quase todos nós ileso, mas lá no fim tinha um emboscador que logo tratou de fazer-lo voltar com uma benção, daí o emboscamos com ataques, mas esse capoeirista foi esperto conseguindo passar sem maiores complicações.
Libera!!!!!!!! E o segundo sai, esse é mais astuto, mais forte e mais técnico. Passa pelas meninas sem maiores complicações e logo escutamos: Passou!!!! Porém o que ele tinha de técnico, naquele momento ele tinha de nervoso e isso foi o azar dele, pois quando chegou ao ponto em que estávamos nós o atacamos, ele tentou se safar querendo revidar - Dizem as pessoas da comunidade que escutaram o barulho do quebra- quebra na mata – através de movimentos da capoeira não logrando êxito e caindo de cara sobre a mata levando um leve arranhão no rosto, tentamos agarrá-lo, mas ele foi astuto não permitindo e chegando ao final do percurso com algumas marcas de mãos em suas costas. 
Libera!!!!!!!! E o terceiro sai esse também é astuto, forte e técnico. Já havia dito aos companheiros que ele daria trabalho e de fato deu. Passou a armadilha das meninas num aú! e escutamos: Passou!!!!! Ao chegar à nossa armadilha de pronto entrou em disputa com um Contramestre que logo o imobilizou, porém não se dava por vencido então chegamos todos perto do mesmo e ao constatar que o formando estava imobilizado pedimos sua liberação para ver sua reação. Esperávamos que ele fosse correr ao destino final, porém ele fez o contrário revidando os ataques o que lhe rendeu umas boas pancadas, fruto da disputa ocorrida naquela trilha. - O barulho do mato sendo quebrado devido o acontecido era constante e ecoava no lugarejo aumentando a tensão dos moradores – O cabra não se dava por vencido até que novamente foi imobilizado desta vez em pé. Não se deixando vencer, projetou seu corpo para traz de encontro ao emboscador que o imobilizava fazendo com que os dois caíssem em uma ribanceira por cima de árvores cheias de espinhos. Os dois bolaram na mata e ao terminarem essa disputa o emboscado resolveu seguir o restante da trilha levando mais alguns afagos até o seu fim.
Libera!!!!!! E lá vem o último sujeito. Esse é um pouco mais fraco, mais inocente, porém sonso. As meninas conseguem aplicar melhor suas armadilhas e ao passar por elas escutamos: Passou!!!! Ele demorou muito para chegar até nós. Seria medo? Seria atenção? Seria cautela? Tenho certeza que era medo mesmo e ao chegar onde estávamos ele no desespero ao perceber várias pessoas ao seu ataque também resolveu revidar - Lembrei das palavras do Mestre Onça Tigre[6] quando nos falava em 1997 em Paracuru - CE sobre uma de suas disputas na Bahia: “o bichim não sabia o que lhe esperava” – e depois de alguns momentos de disputa em meio à mata ele conseguiu passar por todos terminando o percurso da trilha bem como a 1ª emboscada realizada no cariri cearense.

Esperamos todos os envolvidos chegarem ao fim da trilha para conversamos. Quando todos estavam juntos conversamos sobre a experiência, sobre a emboscada que a Terreiro Capoeira realiza em seus simpósios e antes de retornar ao terreiro do Mestre Chico fizemos o registro desse momento histórico. 
Chegando ao terreiro uma roda nos esperava... haviam na roda os camaradas do Grupo Oxosse, do grupo Badauê, do Grupo Viver Capoeira, do Grupo de Capoeira Negro Fujão e do Grupo Perna Pesada. Além da Terreiro Capoeira e de todo grupo Arte e Tradição composto por alunos e familiares! Jogamos capoeira como nunca, numa harmonia e cumplicidade que há tempos não havíamos vivenciado. Após a roda ficamos no papoeira, aquelas pessoas que moravam na cidade de Crato foram embora mais cedo e o restante ficou até a manhã do dia seguinte, eu fui dormir às 4h, Mestrando Piqueno e Mestre Pombo de Ouro ficaram até o raiar do dia!


O sábado chega e o papoeira começa pela manhã com o Mestre Paulinho do Grupo Oxosse falando sobre o corpo, nos dando dicas preciosas sobre a condução dos treinamentos. Também haviam chegado do estado de Pernambuco o Mestrando Canguru, sua esposa Professora Meia Lua, professor Baratão e seu filho. A tarde foi à vez do Mestre Pombo de Ouro falar sobre sua vivência e responder as curiosidades dos que estavam presentes. Perguntas sobre o dia a dia com o Mestre Bimba e sua forma de ensinar e ser foram constantes. 

A noite com o terreiro já pronto, começam a chegar os grupos de tradição e ao se organizarem; colocarem os figurinos ou como eles falam as fardas, as apresentações se iniciam! Primeiro a Banda Cabaçal vinda de Juazeiro do Norte, depois o Grupo de Coco Frei Damião da Mestra Marinez, seguido pelo Maneiro Pau e Maculele do Mestre Chico Ceará, logo depois entra o Maracatu Uinu Erê da cidade de Crato para depois vir a banda Panticola e Casaca de Couro tocando os grandes clássicos do verdadeiro forró tornando a noite muito agradável e festiva! Terminada a apresentação da banda forma-se uma roda de capoeira que varou a madrugada. 


O domingo, último dia do evento foi destinado ao batizado e as trocas de graduações. Muitos outros convidados da região se fizeram presentes pessoas de vários grupos não recordo todos, mas vou citar alguns que lembro, são eles: Resistência Negra, Capoeira de Rua, Raízes dos Palmares, Liberdade dentre outros. E a festa foi bonita! Sem explicação jogar a capoeira Regional tocada e conduzida pelo Mestre Pombo de Ouro! Terminada a cerimônia de batizado e troca de graduações, a alegria já era evidente nas pessoas, o dever cumprido, a satisfação de ter ocorrido tudo bem e a certeza do objetivo alcançado eram os motivos para tal satisfação!

Eis que derrepente chamamos o Mestre para uma foto, uma prosa. - ô Mestre chegue cá que um berimbau caiu! E... “Camisa aberta sandália de couro ô bata palmas para o Mestre Pombo de Ouro!” Novamente cada um cantava uma rima, uma satisfação, um agradecimento, uma lembrança, um desejo, um sonho...

Já passava das 13h horas quando terminou a festa e fomos almoçar. Após o almoço uns foram organizar suas bagagens para o retorno, outros ficaram a bater papo, tomar umas barbadas e lá para final da tarde após já ter resolvido algumas coisas da organização pós evento nos reunimos na cozinha da casa do Mestre Chico onde cada um falou um pouco de seus sentimentos em relação ao evento. Lágrimas caíram, emoções se evidenciaram, amizades foram fortalecidas, a irmandade foi consumada! 
Momento difícil de descrever... Fui um dos que mais se emocionou. Naquele momento acabara de realizar um sonho! Trazer meus camaradas ao cariri para experiênciar à cultura popular. Reencontrar nosso irmão Porcão e como diria seu Luiz Gonzaga: Reviver nossa amizade! Realizar um intercâmbio onde pudesse unir a capoeira, as manifestações de cultura popular. Poder propiciar aos capoeiristas a percepção dessa rica cultura que temos. Poder mostrar a comunidade capoeirística que é possível a união de grupos distintos. Que é possível crescer junto com o outro e principalmente que o outro sempre nos ensina algo! E ainda por conta desse evento conseguimos o retorno do nosso irmão Risadinha! Conseguimos nos reunir em prol de um objetivo comum: Fazer uma viagem todos juntos, coisa que há muito tempo não fazíamos! Mas para conseguir tal feito contamos com a ajuda de várias pessoas, dentre elas as famílias do Mestre Chico Ceará e de sua companheira Socorro uma grande capoeirista principalmente fora da roda! E da amiga Bambam que muito contribuiu na organização do evento e escreveu estas palavras que me emocionaram:

E a vida nos traz grandes surpresas!
Minha vida, uma família, uma comunidade vivenciou um encontro de capoeiras que foi além do toque, do jogo e da palma.....
"Só conhece a estrada o viajante" (Mestre Paulo dos Anjos)
E nada disso teria acontecido, na minha vida, sem a generosidade de Orismidio Duarte, infinitamente grata......
Sem o acolhimento da família Arte e Tradição Mestre Chico Ceará Francisco Gilberto!!!!!
E o que dizer dos amigos da Terreiro Capoeira...... Nem sei..... Me senti amiga de infância rsrsrssr
Parabéns pela amizade de vcs!!!!!!
Não posso deixar de enfatizar tudo que o Mestre Pombo de Ouro, com sua sabedoria, entendimento nos proporcionou...marcado pra sempre!
" O grande Mestre é o tempo....." (Mestre Pombo de Ouro)

A partir desse comentário outros surgiram em rede social:

Juaci Araujo Oliveira Sempre... boas surpresas são como o amanhecer, o por do sol e uma bela chuva .....ao lado de familia e amigos.... Descurtir · Responder · 3 · 5 de agosto às 10:36

Daniel Henrrique Ferreira Henrique Maré me leva. Maré me traz. Me leva junto dos amigos que saudade que faz ...Descurtir · Responder · 3 · 5 de agosto às 10:40

Mallu Barletta É tão forte quanto o vento sopra,
É tão forte q não quebra não entorta,
Eu tô falando de amizade,
Amizade pra vida. Descurtir · Responder · 4 · 5 de agosto às 10:53

Nathalia Bastos Provérbio 17:17!!!! Descurtir · Responder · 4 · 5 de agosto às 10:54

Nathalia Bastos Em todo tempo ama o amigo e na angústia se faz um irmão Descurtir · Responder · 4 · 5 de agosto às 10:57

Orismidio Duarte A capoeira é uma questão de ser e não de estar! neste evento mostramos que somos capoeiras... e você minha amiga guerreira sem dúvida foi muito importante neste acontecimento!!!! Descurtir · Responder · 3 · 5 de agosto às 12:55

Helen White E muita emoção ja to com saudade... Descurtir · Responder · 2 · 5 de agosto às 13:39


Sinto-me diante de tudo que relatei um privilegiado, porque como disse Mestre Squisito em seu blog, “Os verdadeiros capoeiristas não fazem planos para si mesmos”

Iê volta do mundo!!!!!!!!





Francisco Orismidio Duarte da Silva – Professor Caboré – Terreiro Capoeira - 12/08/15


[5] A lenda do Caipora é bastante evidenciada em todo o Brasil, está presente desde os indígenas, e é a partir deles que surgiu este mito. Segundo muitas tribos, principalmente as do Tronco Lingüístico Tupi-Guarani, o Caipora era uma entidade que possuía como função e dom o controle e guarda das florestas, e tudo que existia nela. Muitas pessoas ainda continuam a relatar sua aparição, isto se dá na maioria das vezes com pessoas no interior de matas, o local onde caipora habita. Caipora tem o poder de ressuscitar qualquer animal morto sem sua autorização, para isso apenas fala para que o bicho ressuscite. Por ser muito veloz às vezes as pessoas apenas sentem Caipora como se fosse uma rajada de vento no mato. Para entrar numa mata com permissão da Caipora, a pessoa deve levar sempre uma oferenda para ela, como um Pedaço de Fumo-de-Rolo, um Cachimbo. Caipora emite um som estridente causando que causa arrepios e pavor a todos os que o escutam. Em algumas regiões do Brasil Caipora é conhecido como o Curupira.

[6] Mestre Onça Tigre foi aluno do Mestre Bimba na década de 30.

[3] Camisa Aberta; Musica composta pelo Mestre Kiki na Terreirada Cearense de 2013 em homenagem ao Mestre Pombo de Ouro.

[4] A emboscada era uma das etapas do Curso de Especialização ministrado pelo Mestre Bimba que tinha duração de três meses, sendo dois na academia e um nas matas da Chapada do Rio Vermelho. Tratava-se de um treinamento de guerrilha e a emboscada propriamente dita consistia em submeter o formado a situações das mais difíceis, desde defender-se de três ou mais Capoeiristas, até defender-se de armas. Terminado o curso, o Mestre Bimba fazia uma festa para os novos especializados, e estes recebiam o lenço vermelho, a cor que representava a nova etapa conquistada. No nosso caso para tentar vivenciar e resgatar um pouco da tradição da Capoeira Regional submetemos os formandos apenas a situações difíceis, sem o uso de armas.

[1] SOLIBEL- Sociedade Lírica do Belmonte. Escola de Música localizada no distrito de Belmonte em Crato-CE.

[2] Trata-se de uma manifestação tradicional da cultura do cariri cearense, um momento de oração onde se renova o ano. Agradecendo o ano que se passou e fazendo orações para um prospero novo ano. Após as orações são servidos comes e bebes e muitas vezes são verdadeiras festas como o caso citado.



Entrei num barco do qual não posso sair

Segunda Feira às 8h estava eu fazendo minha inscrição e participando do treino.  O local de treinamento era o ginásio. Quando chego e percebo que a grande maioria dos alunos eram moradores de uma comunidade vizinha a UFC - e isso significava que se tratava de pessoas em potencial de risco, onde os problemas sociais já assolavam o cotidiano das mesmas - tenho vontade de desistir, logo imaginei os comentários da família, pois se soubessem com quem eu estava me relacionado certamente me proibiriam.  Mas estava numa universidade fator favorável e o desejo de ser capoeirista de fato e poder vivenciar aquilo era mais forte e a partir de então venho caminhando nessa estrada que nunca se chega ao fim...
As aulas eram segundas, quartas e sextas pela manhã. Uma turma com cerca de 100 crianças e adolescentes. Na medida em que íamos ganhado confiança o Mestre nos conduzia a nossa sede que se localizava na quadra do céu, no campus do Benfica também na UFC. Com menos de um mês estava participando dos treinos em nossa sede, o critério era a desenvoltura, era estar em condições de acompanhar os treinamentos que lá aconteciam.
Dessa turma conhecia várias pessoas, sabia de onde eram e alguns conhecia até os pais como é o caso do Romualdo Santiago, hoje Contramestre Apache.  Então a amizade e a cumplicidade foram se fortalecendo e na medida em que o tempo passava nos tornávamos irmãos no sentindo mais profundo que a capoeira tem. Como diz a música: Era eu era meu mano, ai meu deus era meu mano mais eu...
Nossa rotina a partir de então era assim: segunda quartas e sextas pela manhã PICI, terças, quartas, quintas e sextas a noite Quadra do Céu. 
Iê volta do mundo!!!!

domingo, 30 de agosto de 2015

Colocar no ar esse blog passa por uma questão bem mais profunda do que o simples ato de configurar uma página e dispor na rede. Primeiro passa por um desejo pessoal de escrever sobre o que gosto sem a preocupação quanto ao rigor acadêmico, segundo pela necessidade de organizar a produção já realizada e terceiro por ser um desejo antigo e que venho adiando por bastante tempo. Tentar explicar isso acredito ser desnecessário, porém o que me deixou na obrigação de colocar no ar este blog foi a dívida impagável que tenho para com a capoeira e a provocação realizada pelo meu mestre que se chama Squisito. Provocação essa de muito tempo e que sempre que lhe peço para ler algo que escrevo vem à tona novamente, como segue abaixo:
Salve, Caboré!
Só hoje pude parar e ler seu texto, excelente por sinal!!
Tenho apenas uma sugestão a lhe fazer: não é o primeiro texto seu que leio, consistente e coerente, além de bem criativo e expressivo.
Você precisa criar seu blog, para publicar esse material.
É tão simples que chega a ser banal!!
Se precisar de ajuda me liga e, on line, criamos o seu blog e em 15 minutos ele estará no ar.
Ai você tem onde não só publicar, mas principalmente organizar seu trabalho e sua produção.
Além, é claro, de sua história!
Forte abraço e mais uma vez parabéns pelo belo texto de um fantásico trabalho!!
Axé!!
Squisito
28/08/2015

E aqui estou iniciando algo que espero não ter fim, assim como a capoeira e o amor de pai e mãe!
Iê viva meu mestre!!!!

Iê vamos jogar!!!!
O início de algo que não tem fim.

Em 1995 conheci e me integrei a Cia. Terreiros do Brasil de Capoeira - Terreiro Capoeira - o lugar? A Universidade Federal do Ceará – UFC no Departamento de Educação Fisica que fica situado no Campus do Pici na cidade de Fortaleza Ceará. Apesar de iniciante já sabia balançar na ginga, já sabia alguns movimentos embora não consistentes e que foram frutos de um aprendizado alguns anos antes com os colegas que se reuniam todas as tardes numa barreira que existia nas quadras do Campus do Pici – UFC, bem como em visitas a rodas de alguns locais da cidade.
Dentre esses colegas lembro-me do Ricardo “o Cadím”, do Duboi, do Gleuço, do Ednei, do Ribamar “o Riba” e do Antônio. Eu Riba e Antônio eram os mais novos e andávamos sempre juntos. Certo dia voltando da barreira surgiu à informação em meio a uma conversa que havia capoeira no CSU do Henrique Jorge, bairro vizinho ao nosso e então decidimos ir lá conhecer. No dia seguinte fomos ao local, cerca de 30 min de caminhada, quando chegamos já era noite e como havíamos chegado um pouco antes do inicio das atividades achávamos que não haveria nada. Não lembro o ano, só sei que era bem novo e que havia saindo escondido de minha mãe. Perguntamos ao vigilante do local se haveria a atividade e ele confirmou que sim. Então aguardamos e pouco tempo depois começaram a chegar os capoeiristas, lembro de uma camiseta que havia escrito favela, já outras zumbi. Passado mais algum tempo eles começaram a se movimentar; movimentos sozinhos, depois em dupla, puxados por uma pessoa a frente que lhes davam as instruções. Ficamos olhando aqueles movimentos atentos a cada detalhe e achando um barato, uma ótima diversão. Cerca de duas horas depois eles formaram a roda de capoeira, os sons dos instrumentos, as cantorias eram muito interessantes e instigantes. Nós ficávamos a observar tudo com certa distância, mas loucos para participar. Voltamos para casa já tarde, quando cheguei minha mãe me deu aquele sermão me dizendo que já havia perguntado por mim em todo quarteirão e ninguém sabia meu paradeiro. Quase que levo uma boa surra...
Como de costume nos encontrávamos na barreira todo fim de tarde e a partir daquele dia os saltos e os outros movimentos teriam menos tempo, pois passamos a tentar executar àqueles movimentos que vimos no CSU – Centro Social Urbano. Ficamos sabendo por meio dos colegas mais velhos que também havia capoeira em outros lugares: Na academia Jane e Ruth com o Barão, no bairro João XXIII com o Gildo e o Chitãozinho e no bairro Serrinha com o Ratto. Hoje essas pessoas são Mestres de capoeira. Só não tenho certeza do Gildo, pois perdi totalmente o contato. Também começamos a ter conhecimento de rodas de capoeira pela cidade. As realizadas nos pólos de lazer da Gentilandia, da Parangaba e da Barra do Ceará que era conduzida pelo Mestre Soldado. (in memoriam). Então começamos a ir nesses lugares, primeiramente ver e conhecer, em todos que fomos só era aberto a visitantes nos dias de roda e a condição para participar era pegar o treino.  Ao percebermos essa exigência tratamos de conseguir nossas calças, que foram feitas do pano de sacos de açúcar. A partir daí intensificamos as visitas. Nas quintas ABC com Gildo, nas sextas, no Colégio Paulo Roberto com Ratto, nos domingos dunas da Barra do Ceará e depois íamos ver a roda no pólo. Ver porque não entravamos, éramos pequenos e tínhamos medo, certamente por não dominar as técnicas e isso nos limitava muito. Outro local só para olhar era as rodas na Gentilandia.
Minha família percebendo meu envolvimento na atividade começou a fazer críticas, dizendo que àquilo não era bom, que só tinha vagabundo, que era coisa de maconheiro, de macumbeiro e todos os preconceitos presentes na sociedade construída a partir de olhar europeu, onde algo que houvesse relação com o negro não servia. Como ainda era criança e obviamente não teria poder de decisão sobre o que desejava fazer, tive que me afastar dessas idas pela capoeira da cidade.
O tempo passa, perco o contato com os colegas mais velhos e alguns anos depois em uma rua do bairro me encontro com o colega Cadim. A primeira pergunta: - como vai? E a segunda: - e a capoeira, treinando? Ele falou que sim, mas na cidade de Tauá e que estava naquele momento em Fortaleza passando uns dias para visitar a família. Eu o respondi que daquelas brincadeiras chegamos apenas a visitar algumas pessoas como foi citado acima e que eu tinha me afastado. Ele então me sugeriu realizar uma visita ao Departamento de Educação Fisica da UFC. E no dia seguinte estava eu lá às 8h realizando minha inscrição na Escolinha de Capoeira da Universidade Federal do Ceará – UFC e conhecendo o Mestre Samuray. (in memoriam).